(este pdf em anexo pode ser baixado e compartilhado)
Aos trabalhadores e trabalhadoras de entregas,
O objetivo dessa carta é manifestar apoio à greve que será realizada em 1º de julho de 2020 pelos trabalhadores e trabalhadoras de entrega das plataformas digitais. Todavia, aproveitamos também para destacar um fator importante da história brasileira, que por vezes é esquecido: a capacidade de auto-organização e transformação que temos como trabalhadores!
Queremos exaltar o trabalho que vem sendo feito pela necessária e urgente paralisação das atividades. Vivemos um momento extremamente difícil, escancarado pela pandemia, mas que já se apresentava no nosso dia-a-dia. Vendemos o almoço para comprar a janta e estamos desamparados diante das necessidades relacionadas à saúde, educação e outros imprevistos que podem se apresentar quando menos temos dinheiro para usar. Uma dificuldade que atinge todos os trabalhadores, mas muito mais forte quando estamos falando dos trabalhadores em duas rodas, motoboys e ciclistas.
Os entregadores são remunerados através de taxas ridiculamente baixas, estão desprovidos de auxílio para segurança e alimentação, e devem se sujeitar aos sistemas de pontuação que regulam seus ganhos e intensificam suas jornadas. Não há legislação do trabalho ou apoio do governo: estão a mercê de grandes empresas, como James, Loggi, Uber, Rappi, iFood. Não nos deixemos enganar, elas são, de fato, grandes empresas, e não apenas aplicativos, ou plataformas facilitadoras, como tentam se disfarçar.
O mundo em que vivemos funciona com um objetivo: o lucro, que não pode ser obtido por nós trabalhadores, pois é o lucro dos patrões e das empresas. Esses não têm rosto, ou compromisso com o povo brasileiro. Esse lucro é obtido quando colocamos nossas vidas na linha de frente da degradação. Nós não somos patrões de nós mesmos, nem empreendedores. Não somos donos de negócios e nem empresários. Somos trabalhadores! E como tais, não devemos ser tratados como descartáveis, pouco importantes, escravizados pelos patrões.
Basta!
O que eles farão sem nós? Os patrões vão descer ao chão de fábrica ou ao canteiro de obra? Vão limpar as próprias casas e empresas e fazer as próprias comidas? Vão sair de suas mansões e escritórios chiques e fazer as entregas?
Se todos nós pararmos, eles param e quebram, sem alcançar seu único objetivo: o lucro desmedido e concentrado em suas próprias mãos.
Chega! Vamos parar até que o nosso trabalho seja realmente nosso. Vamos nos auto organizar e recolher todo o fruto do nosso trabalho, que afinal, É NOSSO!
Esse é o trunfo dos entregadores e de todos os trabalhadores. Somos donos do nosso próprio trabalho e, por ele, devemos receber o necessário para ter uma vida justa e digna. As empresas de aplicativo não podem existir sem o trabalho dos entregadores. A união e organização dos trabalhadores é o caminho para manter seu trabalho e seu sustento sem ter que aceitar a superexploração.
Por isso a greve é necessária, mas não devemos parar por aí. É hora de juntarmos nossas forças entre nós e com todos os trabalhadores solidários. É hora de seguirmos nossa organização por plataformas independentes de entrega e continuar nosso meio de sustento através das formas que forem necessárias.
Nós, trabalhadores, podemos transformar nossa realidade e as relações de trabalho. Os entregadores unidos, se ajudando e estando organizados, têm força para lutar contra as empresas desonestas que tratam os motoboys e ciclistas como peças descartáveis.
Além da greve, é indispensável que a gente consiga conscientizar não só os entregadores, mas as pessoas em suas casas da condição degradante de trabalho imposta pelos aplicativos de entrega. Também, que a união e o cuidado sirva para que todos os entregadores façam parte e não fiquem desamparados.
Precisamos criar, em conjunto com todos os trabalhadores dispostos, uma rede de entrega que passe por fora desses aplicativos. Para isso temos os meios que o whatsapp e a internet nos possibilita. Podemos começar pelos bairros, pequenos estabelecimentos, pizzarias, adegas, lanchonetes e restaurantes. Fazer valer a comunidade que temos com as pessoas que conhecemos desde pequenos. Assim, a gente consegue fugir das amarras dos aplicativos, das taxas baixíssimas e se fortalecer enquanto comunidade!
Juntos nós podemos muito. Somos donos do nosso trabalho e dos meios para continuar trabalhando com dignidade, segurança e sustentar nós mesmos e nossas famílias.
Por meio desta carta viemos manifestar nosso apoio e suporte a essa organização autônoma dos entregadores. Estamos disponíveis para somar em tudo que for requerido e necessário para que tenhamos sucesso, enquanto trabalhadores, ao exigir nossas demandas e mudança. Seguimos disponíveis para contato e para qualquer necessidade que possa surgir. Nosso posicionamento parte do princípio de que nosso trabalho e pesquisa deve estar à serviço de todos os trabalhadores.
29 de junho de 2020,
Coletivo Clóvis Moura.